AS MAMAS DE TIRÉSIAS
«”As Mamas [deTirésias”] não têm lugar à parte na obra de Apollinaire. […] O poeta é subtil a fingir que toma a sua flauta-de-pã por uma gaita popular. Até a rima é risível, reduzida a uma intenção cénica. Trata-se do teatro, do teatro desta época. Divertir-nos é o único propósito do dramaturgo, um criador de ilusões que não quer ver-nos desesperados: a vida basta para nos aborrecer, o pessimismo deixa de ser deste tempo.Mas não separa o teatro da vida. O tema é de hoje: não se trata, afinal, de uma peça escrita para nós? Põe em evidência a lição da guerra e moraliza de uma forma idêntica à que utiliza para rimar: divertindo-nos. “As Mamas” liberta-nos, enfim, do teatro de bulevar… Se o cinema já nos tinha dado Charlie Chaplin (e não será “As Mamas” o que ele costuma interpretar?) Apollinaire deu-nos Tirésias. […]
«Os cenários de Serge Ferat evocavam, sem tornar precisos, Zanzibar e Paris no quadro fantástico de casas que procuram o infinito. Uma moralidade musical acrescentou alguma tristeza aos revólveres muito divertidos, ao acordeão, à gaita de foles e à louça partida. Max Jacob e Paul Morisse deram força aos coros, como se eles fossem anjos perdidos no meio dos homens. E a sala, em peso, emprestou à peça a música dos seus sentimentos.
«Não estava lá ninguém que soubesse dar a esta manifestação o seu verdadeiro sentido, e pintores houve (alguns, ingratos, desataram mesmo a rir-se) que julgaram seu dever protestar. Nem Matisse, nem Derain, nem Picasso, nem Braque, nem Léger lá estiveram. “As Mamas foi comparado a “Ubu Roi” e a “Parade”. Mas não tiveram razão: eles é que deviam ser comparados às “Mamas de Tirésias”.
«Vou recordar-me sempre desta tarde de 24 de Junho de 1917 (a data da estreia da peça) como uma jovialidade única que me permite o presságio de um futuro para um teatro liberto da preocupação de filosofar.»
Louis Aragon (cit. por Aníbal Fernandes, in Apresentação)